Anos de leitura de João do Rio me convenceram de que ele fora o inventor de "flanar", versão brasileira do verbo francês "flâner": andar ao léu, passear sem destino. Qual não foi minha surpresa ao mergulhar há pouco na obra do jornalista, político e diplomata Francisco Octaviano (1826-1889) e descobrir que ele já tinha usado "flanar" em 1848, quase 60 anos antes de João do Rio. E por que a surpresa? Porque, para os anais, o autor de "A Alma Encantadora das Ruas", de 1908, fora o primeiro a criar a teoria para a já então velha prática carioca de sair por aí.
Outra surpresa foi constatar que Octaviano pode ter sido também o primeiro cronista. Até então, a palma pertencia a Joaquim Manuel de Macedo, que, em 1851, na revista Guanabara, publicou três textos tidos como crônica. Mas, ao lê-los, não se vêem vestígios do gênero –que, tecnicamente, é uma conversa fiada, um pacto de vento entre o autor e o leitor. Já os de Octaviano, no Jornal do Comércio, entre 1852 e 1854, não deixam dúvida. Foram escritos com as pernas, não com a cabeça.
Macedo, por sua vez, poderia ter sido um pioneiro do flanar propriamente dito, com seu "Um Passeio pela Cidade do Rio de Janeiro", de 1862. O problema é que, ao sair por ela, Macedo percorreu-a com olhos de historiador, não de cronista. Como, aliás, voltaria a fazer em "Memórias da Rua do Ouvidor", de 1878, talvez assustado pelo fato de que, naquele ano, mesmo com outros nomes, a rua do Ouvidor já tinha 300 anos.
Há um elo entre flanar e ser cronista. As duas atividades exigem disponibilidade, certa falta do que fazer, um fingir que não se leva a sério. O Rio é pródigo na especialidade –Olavo Bilac, Alvaro Moreyra, Rubem Braga, Elsie Lessa, Antonio Maria e Carlos Heitor Cony foram só alguns dos nossos praticantes do papo furado.
Octaviano já criara em 1847 outro belo verbo, que não pegou: "balzaquear" --entregar-se à imaginação, escrever em pensamento, ser um Balzac sem compromisso. Pensando bem, a receita ideal para ser cronista.