Já transcrevi aqui este parágrafo uma vez, mas vou repetir.
"A riqueza, para o brasileiro, não é o acúmulo penoso de dinheiro poupado graças a muitas horas de trabalho. É algo com que se sonha, que tem que vir do céu, e, no Brasil, a loteria é esse céu. É a esperança quotidiana de milhões. A roda da fortuna gira todos os dias. Nos bares, nas ruas, a bordo e nos trens oferecem-se bilhetes de loteria. Todos os brasileiros os compram com o que sobra do seu salário. A determinada hora vê-se grande multidão diante do local da extração; em todas as residências e casas comerciais estão ligados os rádios; a expectativa do país inteiro se volta para um número. O que lhe falta de cobiça, o brasileiro compensa com esse sonhar cotidiano de um enriquecimento repentino."
É de Stefan Zweig em seu livro "Brasil, País do Futuro", de 1941. Se o escrevesse hoje, Zweig teria de atualizá-lo. A expectativa por um número de loteria continua a assolar o país, mas não mais coletivamente. Cada brasileiro agora aposta no seu próprio número. Já não precisa esperar pelos sábados e quartas para comprar o bilhete e, dias depois, ficar ao pé do rádio para saber se ganhou. Aposta numa máquina tipo caça-níqueis, quantas vezes quiser, um número atrás do outro, e, dali a um segundo, na mesma máquina em que jogou, confere se ganhou ou perdeu.
Pode-se apostar tanto na sequência de números como de figuras. Não há limite de tempo diante das máquinas, nem de endividamento —se ele perder as calças ou a casa, para as máquinas tanto faz. Os novos templos das apostas vão de ambientes tentadores, com as luzes e penumbras de um cassino, até botequins comuns, com ovo colorido e um são Jorge na parede, todos equipados com as irresistíveis máquinas.
O jogo provoca dependência tão grave quanto a do álcool e das drogas. Para aplacar a síndrome de abstinência dos dependentes, há hoje no país milhares de "terminais de bets", como são chamados. Tudo legalizado. Zweig apostou no futuro e acertou na pinta.