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Ranchos na nuvem

 

Às vezes, as pessoas se perguntam: "Para onde foi a grande música popular no Brasil?". A pergunta não procede porque, claro, ela continua a ser produzida –só que em algum lugar distante do nosso bairro ou rua. Com o fim das lojas de discos, já não existem aquelas generosas gôndolas contendo desde as últimas novidades até CDs que buscávamos havia anos. A música agora é um ectoplasma, só disponível em streaming, uma nuvem também incorpórea, quase secreta. Nela, que eu saiba, não há mostruários. É preciso saber que este ou aquele disco saiu para podermos comprá-lo.

Como foi que descobri joias recentes como os quatro CDs de "Pixinguinha Como Nunca", contendo 46 composições inéditas de Pixinguinha, compiladas por Henrique Cazes e Marcelo Viana e executadas por ases como o próprio Cazes (cavaquinho e arranjos), Carlos Malta (flauta e sax), Silvério Pontes (trompete), Marcelo Caldi (sanfona), Marcos Suzano (percussão), João Camarero (violão de 7 cordas) e um timaço de convidados? Não há país que não se orgulhasse de chamar de sua essa música.

E "Lembrando Garoto", uma magistral reconstrução de nove originais de Anibal Augusto Sardinha, o lendário Garoto (1915-55), reinventor do violão brasileiro, por Cristóvão Bastos ao piano, Romero Lubambo ao violão e Mauro Senise ao sax-alto, flauta e piccolo? Ao ouvi-la, percebe-se por que tantos veem em Garoto o lançador das bases da bossa nova –ele, que morreu minutos antes de ela vir à luz.

E "Um Rancho nas Nuvens", um belo songbook de Tom Jobim pelo violonista João Moraes, com arranjos de Rogério Souza e a participação de vários mestres em seus instrumentos? Das 16 faixas do disco, 12 estão na categoria das obras-primas de Tom que você já não escuta há anos, porque o mercado as está apagando da sua obra.

Todos esses discos saíram há pouco, sob espesso silêncio da mídia. Chamei-os de discos? Sim, com sorte você talvez os encontre nesse formato "físico". Mas estão todos na nuvem e, por eles, vale a pena subir até lá.

 

Folha de São Paulo, 26/04/2025