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Militância, poesia e resistência marcam a trajetória de Cruz e Sousa

 

O Acadêmico e escritor Godofredo de Oliveira Neto fez uma imersão na trajetória e no legado de Cruz e Sousa, poeta negro, conhecido como “Cisne Negro”, filho de escravizados alforriados, expoente do simbolismo no Brasil, que viveu entre 1886 e 1898. Na última segunda-feira, 30 de junho, deu uma palestra sobre o livro que escreveu sobre o poeta, prestes a ganhar uma nova edição, na União Brasileira de Escritores (UBE) e na terça-feira 1 de julho, deu um aulão sobre o escritor como parte da programação do curso de formação de escritores da Universidade das Quebradas, na ABL.

Godofredo abordou a questão do enfrentamento do racismo e como Cruz e Sousa, na sua perspectiva, era um militante negro, embora naquele momento não era formalizado um grupo de militância, mas, segundo ele, a classificação de “militante” é proposital para entender a conjuntura do legado de Cruz e Sousa. “Eu o coloquei como militante negro de propósito, para valorizar o escritor, porque o que ele fez é uma militância”.

Cruz e Sousa é um dos maiores poetas do simbolismo brasileiro. Ele faleceu vítima de tuberculose em 1898, aos 36 anos, quando contraiu a doença enquanto trabalhava na Estrada de Ferro Central do Brasil, e buscou tratamento em Minas Gerais, mas não resistiu. Morreu em 19 de março de 1898, e seu corpo foi transportado em um vagão de trem para gado para o Rio de Janeiro, onde foi enterrado.

Segundo o Acadêmico, o poema, “Consciência Tranquila", de Cruz e Sousa, é o texto mais violento e denunciador da escravidão em toda a história da literatura brasileira. “Ele também era uma grande referência do simbolismo. Inclusive, Mário de Andrade se referiu ao simbolista como o “admirável e esquecido Cruz e Sousa", reconhecendo no poeta a importância do movimento simbolista para o modernismo dos anos 20. A poesia de Cruz e Sousa influenciou poesias brasileiras da alta modernidade, chegando, inclusive, a João Cabral de Melo Neto.”

De Santa Catarina, Cruz e Sousa veio para o Rio em dezembro de 1890, após ver coroada a sua luta pela abolição dos escravos dois anos antes. Godofredo aponta que há uma contradição polêmica nisso tudo: Cruz e Sousa vai ser tido como não-abolicionista por uma confusão teórica, mas isso se trata de um equívoco. Como os simbolistas utilizaram a cor branca para plasmar a sua poesia, alguns críticos viram nisso uma opção contra a negritude. Um erro conceitual filosófico, segundo Godofredo.

Em 1881, quando viajou pelo Brasil como secretário de uma companhia de teatro, Cruz e Sousa tornou-se abolicionista ao testemunhar as condições em que eram mantidos os escravizados no país. De volta à Santa Catarina, funda, com Virgílio Várzea e Santos Losada, o jornal semanal Colombo, periódico crítico e literário de viés parnasiano.

Godofredo também retratou parte da produção literária de Cruz e Sousa e a luta por um espaço profissional, sempre fadada ao fracasso.

“Cruz e Sousa lutou com garra e entre choro e depressões. O seu sofrimento era intenso. A esposa – negra como o poeta - relataria mais tarde que o marido em vários momentos urrava de dor e tinha alucinações. Olhava para os hóspedes da casa de repouso e lançava-lhes versos dramáticos, poemas inteiros tirados dos seus livros, versos pungentes, tristes, pessimistas. O poeta ficou marcado pela sua grande afeição à arte e à esposa dedicada.

O Acadêmico e os próprios alunos questionaram a dificuldade de estudar os nossos escritores que são nascidos e formados no Brasil. O Cruz e Sousa é um exemplo de um escritor que não entra nesse panteão do que a gente estuda, inclusive por quem estuda Letras.

Drica Madeira, coordenadora pedagógica da Universidade das Quebradas desde 2022, destacou o papel importante que Godofredo de Oliveita Neto está fazendo ao falar sobre Cruz e Sousa. “Nunca ouvi Cruz e Sousa dentro da graduação, nem no doutorado, então eu acho que tem um papel talvez especial que você (Godofredo) está cumprindo nesse momento da história importante, porque traz a possibilidade de dizer como um cara daqui que é nosso. Só tem um problema, que para mim entra na cota da questão racial. Ouvindo a sua aula, talvez a gente possa pensar que essa retirada do Cruz e Sousa da nossa agenda de pensamento de estudo da intelectualidade brasileira esteja na cota da questão racial, já que Machado é o maior no nome da literatura brasileira, esse doutor negro”.

Godofredo afirmou que acredita que tratar-se de uma dificuldade estrutural: “Não sei como é que ele vai chamar isso, é uma dificuldade, quer dizer, o “Emparedado” (texto em prosa que integra o livro Evocações) é um primor literário, é um primor de tudo, mas agora que está conseguindo um pouco mais de visibilidade.

Ele recorda que, coincidentemente, o escritor catarinense morreu dez anos após a abolição da escravidão. Seu corpo, em um caixão comprido, foi mal amarrado e foi balançando num vagão vazio destinado ao transporte de animais.

"Terminava, assim, um corpo despachado para o Rio de Janeiro num trem de carga, a vida de um dos maiores poetas brasileiros. Era março, dia 19, 1898. O filho de escravizados, a mãe já estava liberta. Encerra sua vida carnal, pobre e miserável que liga a nação brasileira uma poesia sofisticada e envolvente que o alçará ao panteão da arte universal”.

Para Godofredo, a impressão é que ele festejou a data oficial da libertação dos escravizados. Mas a tuberculose o alforriou, dez anos depois, da dor de ser um trovador pobre e negro em um país largamente intolerante e preconceituoso.

“O Jornal do Rio noticiou com destaque o falecimento do poeta negro. E já começa essa história que mesmo querendo elogiar, é, antes de tudo, nomeado como “poeta negro". Nunca se viu o poeta branco escrito assim, né? O poeta branco."

Outro ponto debatido na aula foi o fato de Cruz e Sousa procurar sempre se manter elegante e como a forma que ele se apresentava na escolha e composição de suas roupas era importante para conseguir alcançar uma maior aceitação.

Na sua infância, morou em uma casa em Florianópolis, que no fundo ficava a parte dos empregados e na frente morava o casal proprietário, Marechal Guilherme Xavier de Sousa e sua esposa, para quem os pais dele trabalhavam. O local, conhecido como Chácara do Espanha, ficava próximo à Igreja Nossa Senhora do Rosário e ao Teatro Santa Isabel. Cruz e Sousa foi tutelado pela família do Marechal e aprendeu a ler e escrever na residência.

A relação de Cruz e Sousa com essa família foi crucial para sua formação intelectual e literária, permitindo-lhe acesso à educação e aos livros, o que foi fundamental para sua carreira como poeta.

“Eu acho que isso também deu a ele uma quebra, um racha, assim, psicanalítica. Ele ia para lá, ia para cá. Isso ambém seria um ponto de discussão bastante importante”, disse Godofredo.

02/07/2025