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ABL na mídia - Brasil Escola - Dia dos Povos Indígenas: conversa com Ailton Krenak

 

O Dia dos Povos Indígenas traz reflexões inevitáveis no contexto atual, com o avanço do garimpo em terras ianomâmis, denúncias de invasões de territórios demarcados, o adoecimento dos povos e o envenenamento da terra que não perdoa sequer os recém-nascidos e já os contamina com mercúrio antes mesmo de respirarem. Em meio a tanta notícia desesperadora, fica a pergunta:

É possível sonhar com um futuro melhor?

Foi com essa inquietação que buscamos Ailton Krenak, escritor membro da Academia Brasileira de Letras e expoente da luta pelos direitos dos povos indígenas há décadas, para uma entrevista. Conversamos sobre sua trajetória como autor de livros, sobre os desafios que os povos indígenas enfrentam e, também, sobre a capacidade de sonhar. Veja tudo que descobrimos!

O nascimento do escritor Ailton Krenak

Ailton diz que, a princípio, nunca tinha pensado em publicar um livro. Essa foi uma ideia que nasceu há mais de 25 anos, quando ele começou a organizar um festival anual de dança e cultura indígena com a participação de 4 fotógrafos que acompanharam o evento durante 6 anos.

A beleza das fotos capturadas chamou a atenção de Ailton. As imagens eram de terreiros em que aconteciam rituais indígenas e ele decidiu organizar o livro com as fotos e explicação do que estava registrado. O nome da obra é "O lugar onde a Terra descansa".

Sobre o livro, Ailton Krenak afirmou:

"Eu acabei abordando o tema da Ecologia em uma perspectiva que eu nunca tinha imaginado. Eu tava falando da importância destes rituais como uma forma de transmitir o conhecimento sobre a natureza. E isso é o que chama de ecologia nas matérias que vai para escola."

O escritor revela que nesta época, não imaginava a proporção que seu trabalho ganharia, inclusive com a publicação de outra obra sua pela Companhia das Letras, o livro "Ideias para adiar o fim do mundo". Sobre isso o autor disse:

"A minha surpresa foi quando eu soube que esse livro estava sendo publicado na Grécia...na Coreia, na Turquia, no Japão. Aliás, no Japão eles mantiveram o mesmo título, só não sei como que pronuncia"

Como sonhar?

Ailton Krenak conta que há povos indígenas que transmitem conhecimentos relacionados a sonhos de forma ancestral. Krenak cita os povos Xavantes que tem uma espécie de escola em que os mais velhos ensinam crianças entre 9 e 11 a sonhar.

Elas são recolhidas para se os afastar das influências externas, recebem uma dieta específica, praticam exercícios e meditação. A partir daí eles recebem um treinamento para se ensinar a sonhar. Krenak afirmou:

"Do mesmo jeito que você treina um jogador de futebol, você treina alguém para sonhar. Estou fazendo uma comparação exagerada, mas da mesma maneira que você ensina alguém a meditar, você ensina a sonhar."

Krenak faz uma ressalva, esse exercício do sonho ritualístico acaba por ser impossível a jovens inseridos em meios urbanos e sem convívio familiar. Dentro deste aspecto, Ailton fala sobre o excesso de diagnósticos que se aplicam a crianças e adolescentes e o stress ao qual elas são submetidas, aumentando a sensação de ansiedade diante da incerteza do futuro.  Ailton Krenak declarou:

"Seria maravilhoso se a gente conseguisse aprender com essas culturas antigas, no caso os povos indígenas, algumas práticas que na educação da criança e do adolescente a gente ajudasse a diminuir a aflição desses meninos que tem que viver fora do convívio com o coletivo acolhedor, um coletivo que escuta ele.

A maioria dos meninos ficam tímidos porque quando vão contar uma história, ninguém escuta eles. Até na mesa do café, os meninos começam a falar, os adultos despistam, saem e vão embora para o quintal"

Aprendendo com os povos indígenas a importância de sonhar e como fazer

Ailton Krenak conta que sonhar não só o ajudou a se tornar escritor e conquistar espaços, como o ajuda a se guiar na vida de uma forma geral. Ailton diz que é preciso aprender com as culturas a indígenas para se fornecer mais apoio as crianças e adolescentes, para que eles mesmos consigam sonhar.

A tradição e a cultura como elementos de um grupo social são alicerces essenciais para que os jovens compreendam de onde vieram e se sintam seguros para enfrentar para onde vão. Se deparar com o futuro desconectado do passado é como ser jogado no mundo.

Desafios dos povos indígenas

O desafio dos povos indígenas, em muitos casos, é o desafio da sobrevivência. Ailton Krenak comenta de comunidades indígenas que enfrentam expulsões da sua terra no Distrito Federal e também elenca outros casos:

"Imagina que no Mato-Grosso do Sul os Kaiowá Guarani sofrem ataques frequentes nos assentamentos que estão, geralmente, são muitos precários.

São cabanas cobertas com lona, ou construções simples que os Guaranis fazem com vara e cobertura de palha. Eles sofrem ataques por carros forte, daqueles que carregam dinheiro, patrocinados por prefeituras. Recentemente, perto de dourados, houve um ataque contra a aldeia Guarani que deixou várias pessoas feridas com bala de borracha, gás lacrimogênio e tiro mesmo, no meio daquelas ações acaba indo gente com bala de verdade e atirando a pretexto de alegar que estão se defendendo.

Na verdade, não, estão alvejando os Guarani-Kaiowá e matando. O número de pessoas indígenas sofrendo estes ataques é crescente, porque não demarcam as terras indígenas, o estado brasileiro vai protelando uma decisão sobre limites de terra."

Krenak ressalta que limites de terra mal definidos geram conflitos em qualquer contexto, não é uma exclusividade da situação dos povos indígenas. Para além da demarcação de terras, há o envenenamento da terra e de rios, responsável por contaminar bebês recém-nascidos com mercúrio dos garimpos e destruir o ambiente de forma generalizada.

"O ideal do povo indígena, que é viver na natureza, está cada vez mais ameaçado. Por isso, te digo que o maior desafio de muitos povos indígenas no nosso país é ficar vivo"

Ailton faz um alerta sobre uma estrada que está sendo construída no Pará que pode cortar um território indígena que até esta década proporcionava uma vida saudável para o povo dentro da floresta. Se a estrada passar lá, aumentará o risco de contágio e de invasão de território. Ailton Krenak afirmou:

"O Estado brasileiro precisa tomar uma decisão sobre o reconhecimento e a proteção dos territórios indígenas. Demarcar só, não é suficiente, tem que assegurar que seja respeitado"

Apresentar ideias indígenas ao mundo

O autor conta que está prestes a viajar para a França para lançar duas obras, "O futuro ancestral" e outro é uma obra inédita que junta texto de vários períodos. Ele diz que é preciso aprender com as visões de mundo indígenas e considerá-las como uma alternativa a essa perspectiva extrativista.

Compreender a terra como um organismo vivo que tem seus direitos e não uma plataforma física que existe para ser explorada. Krenak faz uma comparação:

"A Terra é uma só. A gente não tem dois organismos, dois planetas, para ser exaurido e depois a gente consumir o segundo. Eu costumo dizer que o comportamento naturalizado é como se a Terra fosse um panetone. No final do ano, todo mundo se reúne e come o panetone, no ano que vem tem outro, quer dizer, não para de ter panetone. Acontece que a Terra é uma só."

Conselho para crianças e adolescentes

Krenak afirma que o fim da infância e o começo da adolescência é quando passamos os maiores apertos. Pois, somos pouco escutados, pouco percebidos e talvez por isso, o argumento das redes sociais ganhe tanta força e tenha se tornado uma crise.

Ailton diz que por falta de cuidados dos adultos e de diálogo, os jovens têm buscado interação no mundo virtual. Ele afirmou:

"O que eu observo com carinho é que essa juventude, apesar de serem privados de tanta coisa, ele também tem hoje a possibilidade de fazer escolha que sua geração não teve, Tiago. Então assim, eles estão sendo cooptados por essas tecnologias todas e esse apelo do mundo da mercadoria do consumo, mas eles têm a oportunidade fazer escolhas"

Por fim, Ailton faz uma provocação ao mundo adulto e deixa o conselho para as próximas gerações:

"O que esta geração embalando para entregar para a geração futura? Nós estamos embalando um mundo que não é animador. Mas temos que acreditar que os próximos serão capazes de desembrulhar isso e buscar fazer com que a próxima geração não enfrente o mesmo que eles. Vamos torcer para essa meninada reinventar mundos, aprender a sonhar! O que eu diria para esses jovens, é: quando você tiver a possibilidade de dormir, dormir mesmo, não esqueça os seus sonhos."

Por Tiago Vechi

Jornalista

Matéria na íntegra: https://brasilescola.uol.com.br/noticias/dia-dos-povos-indigenas-uma-conversa-com-ailton-krenak/3132259.html

24/04/2025