A Academia Brasileira de Letras está em festa nesta sexta-feira (7). A casa de Machado de Assis (1839 - 1908), um dos maiores escritores da literatura brasileira, e homem negro, recebe pela primeira vez em mais de 120 anos a primeira imortal negra, Ana Maria Gonçalves. Escritora do já clássico "Um Defeito de Cor", ela toma posse na cadeira 33.
A autora é uma expoente de debates raciais mais justos, principalmente pelas suas obras, e também atua como roteirista, dramaturga, professora e curadora de projetos culturais. À época de sua eleição, Margareth Menezes, ministra da Cultura, celebrou a escolha. "Parabenizo Ana Maria Gonçalves por esse grande feito, por sua escrita impecável e pelas importantes bandeiras que carrega”, afirmou.
O fardão da autora foi confeccionado por profissionais de costura e adereço da Portela, que a homenageou em 2024, e foi adaptado ao seu estilo pessoal. Tradicionalmente a veste é uma calça e casaca feminina, mas ela optou por um vestido longo. Ela se inspirou no modelo de vestido usado por Rachel de Queiroz quando tomou posse na instituição, em 1977, e se tornou a primeira mulher membro da instituição e imortal.
"Que você entre nessa ABL trazendo toda uma diáspora negra, africana e afro-brasileira, que fez da ficção literária uma forma de memória, cobrindo lacunas dessa história ainda tão ocidental e masculina, presente nessa e em outras instituições. Que você chegue abrindo as portas e nos ajude a imaginar um país mais digno para todas e todos nós", disse a imortal Lilia Schwarcz em seu discurso de recepção.
"Traga, por favor, Ana, o sopro nos ouvidos que recebeu de Kehinde, a força e a coragem dela, que também são suas. Passado e presente marcam o encontro nessa tua literatura, Ana, que refaz a sina de um matriarcado e carrega a voz das ancestralidades femininas. Conforme menciona Kehinde, a memória é mesmo o mais generoso dos retratistas. Embala Eu, de Clara Nunes e Clementina de Jesus, é indo o que a própria Ana recomenda na trilha sonora que incluiu no final do livro. Que você seja muito feliz por aqui na ABL, pois como diz Juliana Borges, 'Uma Mulher Negra Feliz é Um Ato Revolucionário", completou a saudação.
Entre os imortais, Fernanda Montenegro, Lilia Schwarcz, Gilberto Gil, Míriam Leitão, Rosiska Darcy de Oliveira entre outros. Já na lista de convidados especiais constam Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial, Afrânio Vilela, ministro do Superior Tribunal de Justiça, Lázaro Ramos, Regina Casé e outros.
Em seu discurso de posse, Ana Maria fez questão de lembrar e ler os currículos dos que vieram antes dela na cadeira 33 da Academia e celebrar sua família. Ela também falou como a instituição centenária já tentou, no passado, apagar a negritude de deus fundador e primeiro presidente, Machado de Assis.
"No passado da Academia Brasileira de Letras, houve um processo deliberado de exclusão de mulheres. Assim como uma estrutura sendo baseada também nas relações sociais de membros, extra oficialmente, que também exclui as minorias já excluídas pela sociedade", destacou.
"Depois do apagamento de Júlia Lopes de Almeida, das candidaturas negadas de Amélia Bevilaqua (1860-1946) e de Dinah Silveira de Queiroz (1911-1982), viemos Rachel de Queiroz (1910 - 2003), Lygia Fagundes Telles (1918-2022), Nelida Pinon (1937 - 2022) , Zélia Gattai (1916 - 2008), Ana Maria Machado, Cleonice Berardinelli (1916 - 2023), Rosiska Darcy de Oliveira, Fernanda Montenegro, Lilia Schwarcz, Miriam Leitão e eu. Depois da candidatura de Conceição Evaristo, viemos Gilberto Gil, Ailton Krenak e eu. Ainda somos poucos para tanto trabalho de reconstrução de um imaginário em relação ao que representamos", afirmou.
Ela continuou com referências do passado. "Durante muito tempo, o acadêmico Domício Proença foi o único negro na Academia Brasileira de Letras. E durante muito mais tempo ainda a negritude de Machado lhe foi negada. Sobre Machado em uma carta para o amigo José Veríssimo (1857 - 1916) que havia chamado Machado de mulato após sua morte, disse o abolicionista Joaquim Nabuco (1849 - 1910), "Eu não teria chamado mulato, e penso que doeria mais do que essa síntese. Rogo que tire isso quando reduzir o artigo a páginas permanentes. A palavra não é literária e é pejorativa. O Machado, para mim, era um branco. E creio que por tal se tomava. Quando houvesse sangue estranho, isso em nada afetava sua perfeita caracterização caucásica. Eu, pelo menos, só vi nele o grego'", referenciou.
"Ou seja, para ser portador da intelectualidade que o caracterizava, Machado de Assis teria, aos olhos de Joaquim Nabuco, que abrir mão de sua negritude. Teria que abrir mão do seu defeito de cor. E cá estou eu hoje, 128 anos depois de sua fundação, como primeira escritora negra eleita para a Academia Brasileira de Letras. Falando pretoguês e escrevendo a partir de noções de oralitura e escrevivência", concluiu ovacionada assumindo o papel de auxiliar a democratização da instituição.
Matéria na íntegra: https://gshow.globo.com/cultura-pop/famosos/noticia/imortais-celebram-a-posse-de-ana-maria-goncalves-na-academia-brasileira-de-letras.ghtml
11/11/2025