No mês em que Montes Claros comemora 168 anos, o escritor e professor Waldir de Pinho Veloso — autor de 28 livros nas áreas de literatura, educação e direito — reflete sobre sua trajetória marcada pela união entre o saber jurídico, a sensibilidade literária e o compromisso com a formação acadêmica.
Como você vê a trajetória de Montes Claros ao longo desses 168 anos?
A geografia reservou para Montes Claros a obrigação de crescimento, desenvolvimento e destaque por si só. Quando o Brasil tinha 90 milhões de habitantes, Montes Claros tinha 90 mil. Hoje, o Brasil tem uma população de 218 milhões, e Montes Claros tem 418 mil.
Distante das grandes cidades, Montes Claros se vê obrigada a se desenvolver, criar nichos e oportunidades para si própria e para seu povo. O crescimento não só da população. A geração de emprego, o potencial hospitalar e de tratamento de saúde e o segmento da educação fazem de Montes Claros um destaque nacional. Além do crescimento populacional, econômico e social, Montes Claros cresce muito em termos artísticos e culturais.
Você é autor de dezenas de livros em áreas diversas, mas também muito ligado à palavra, à memória. Acha que temos cuidado da nossa própria história como cidade?
A criação de museus em Montes Claros e a preservação ambiental — grutas e parques — colocam a cidade valorizando o passado e garantindo o porvir. Um “Museu ou Memorial da Imprensa”, por exemplo, e enquanto ainda há material disponível, ajudaria muito a garantir futuras pesquisas. A Biblioteca Pública poderia pedir que as famílias doem livros, quando os patriarcas morrem. É que, com a morte dos proprietários de livros, muitos exemplares são descartados pelos sucessores. As bibliotecas particulares, em vez de serem extintas uma a uma, poderiam ser doadas ao setor histórico das Bibliotecas Públicas. No futuro, seria digitalizado.
Há preservação ou vivemos num certo esquecimento cultural?
Há possibilidades de maior engajamento, melhora na preservação da memória montes-clarense. Um escritor no nível de Cyro dos Anjos, por exemplo, merece mais do que um nome de bairro. Os livros de Cyro dos Anjos precisam ser mais bem divulgados na cidade. Suas frases são tão perfeitas que as gramáticas as citam para ilustrar como se empregar corretamente a língua portuguesa. Igualmente, em relação à Darcy Ribeiro. Montes Claros foi a única cidade brasileira a ter, simultaneamente, dois escritores integrantes da Academia Brasileira de Letras: Cyro e Darcy.
E há nomes como Manoel Hygino dos Santos que honram a cidade. Merecem maior divulgação local.
Os grupos de Serestas precisam ser revitalizados. Os seresteiros (como Hermes de Paula e João Chaves) que tanto marcaram a História de Montes Claros não têm um destaque. Precisamos ou de um “Museu das Serestas”, ou uma Divisão de Serestas na secretaria de Cultura. Os escritores de Montes Claros merecem, pelo menos, um setor especial nos espaços públicos.
Montes Claros é conhecida por sua efervescência artística, mas ainda não conta com um grande teatro público. O que isso revela sobre a relação da cidade com a arte e seus artistas?
O teatro não pode prescindir de talentos que Teresinha Lígia e Batista, por exemplo, ensinaram. Ou das peças teatrais que Reginauro Silva escreveu. Um anfiteatro (espaço com mais de uma função, como teatro e palco musical) seria ótimo. Mas as artes podem começar no Centro Cultural e, quando o sucesso for maior, ser criado um local mais amplo. Começar no espaço disponível seria um bom caminho.
Você acredita que falta uma política cultural mais séria e comprometida?
O incentivo pode ser a oferta do espaço para a exibição da arte. E preservação do já feito. “Apenas” a preservação da memória do já feito já é um bom incentivo para as novas ideias, os novos talentos. Liberações de dinheiro costumam ser acessíveis a grupos privilegiados. Uma complicação. Liberar o espaço pode ser ato democrático.
Você vê espaços suficientes para que os jovens artistas e escritores possam se formar, criar e ser valorizados aqui?
A arte aflora mesmo sem espaço, incentivo, pagamento. A arte nasce com a mesma necessidade de respirar. Quando menos se espera, a inspiração domina, floresce e dá fruto. O que não pode é o inspirado deixar o fruto apodrecer. Jovens artistas nascem a todo momento. São escritores, pintores, artesãos e outros que se revelam, ainda que somente a si próprios e aos seus mais próximos.
Normal é que não haja exigência de pagamento, verba pública, para essas artes nascerem.
Há aulas de artes em espaços públicos (Conservatório Estadual de Música Lorenzo Fernandez e Escolas municipais) e privados (até sem custos). Há empresas com setor de arte que envolvem funcionários e seus parentes. Em relação aos escritores, há uma dificuldade natural em forçar o aparecimento. A arte da escrita não tem berço em escolas especializadas. O berço para escritores é o incentivo à leitura. Sem que se leia muito, é impossível se tornar um escritor. Se se tem talento, o escritor é temperado pelas muitas leituras.
Matéria na íntegra: https://onorte.net/variedades/reflex-es-de-waldir-de-pinho-veloso-sobre-cultura-e-memoria-1.1074171
09/07/2025