A noite de sexta-feira na Academia Brasileira de Letras (ABL), quando se comemorou o 128º aniversário da instituição fundada por Machado de Assis, foi um momento de trazer a história brasileira para o proscênio, num diálogo entre o decano da ABL, o ex-presidente José Sarney, e o embaixador Rubens Ricupero, que recebeu o Prêmio Machado de Assis, a mais importante láurea da literatura brasileira pelo conjunto da obra. Os dois fizeram um balanço da história do país, ligando-a à atualidade, em que o Brasil está sendo atacado pelas decisões classificadas de “brutais” por Ricupero à nossa soberania, referindo-se às sanções tarifárias impostas pelo presidente Trump.
O ex-presidente Sarney fez um histórico do período em que Rubens Ricupero trabalhou com ele no Palácio do Planalto, e lembrou de tempos difíceis em que “o Brasil foi o único país que fez sua transição democrática entregando uma Constituição, que hoje assegura nossa democracia”. Sarney ressaltou que “há quarenta anos restabelecemos a democracia, com os ventos da liberdade varrendo a nossa pátria”. O ex-presidente destacou que o brasilianista Ronald Schneider, professor do Queens College, considera que a nossa foi a melhor transição democrática daquela época, “porque não deixamos hipotecas militares, fizemos uma Constituição que perdura, e criamos uma sociedade de massas em que o povo brasileiro tem o domínio de sua cidadania”.
Ao falar de cidadania, o decano foi muito aplaudido, e ressaltou que, embora não estivesse falando diretamente das medidas recentes do presidente americano Donald Trump, era evidente que os americanos têm o hábito de exigir de seus interlocutores nas negociações mais do que eles podem aceitar, inviabilizando os acordos. Referia-se à soberania nacional brasileira, que não é negociável. Sarney lembrou uma conversa “profética” que teve com o chanceler alemão Helmut Schmidt, na qual ele lhe disse que o mundo viveria uma fase de imigração massiva, e guerras localizadas.
O ex-ministro Rubens Ricupero destacou que nenhum país pode se orgulhar como o Brasil de uma tradição ininterrupta de 155 anos de paz desde a guerra da tríplice aliança contra o Paraguai, com dez vizinhos que pertencem a universos contrastantes. Basta pensar na Guiana Francesa e no Uruguai, no Suriname, na Bolívia, citou. “Nunca mais o Brasil teve um episódio de guerra com um vizinho. Esse resultado não foi uma dádiva da história. Teve que ser conquistado com esforço e perseverança. Um sistema de valores éticos e políticos foi construído nesse período”.
Ricupero lembrou que o conceito de Brasil é “inseparável da diplomacia, da paz, do entendimento com os vizinhos e com o mundo”. A primeira salva de palmas veio quando afirmou que “ é melhor se idealizar pacífico e conciliador, que atribuir-se qualidades de dominação, de superioridade racial e cultural, de destino manifesto de opressor de outros povos”. Segundo ele, “estamos tão habituados à nossa tradição de paz, que não nos damos conta de como ela vai se tornando um bem precioso e raro, num mundo com guerras como a da Ucrânia, e da Faixa de Gaza que tornam as pessoas insensíveis à morte e à mutilação de crianças e de mulheres; ao extermínio pela fome da morte e ao genocídio de povos inteiros”.
Nessa atmosfera sombria em que estamos mergulhados, ressaltou Rubens Ricupero, “nem o Brasil escapou de agressão brutal à soberania de suas instituições, apesar de nada ter feito para provocar as truculentas ameaças do presidente Trump”. Ao ligarem a democracia brasileira restabelecida há quarenta anos à defesa da soberania nacional diante dos ataques do governo americano, o ex-presidente José Sarney e o embaixador Rubens Ricupero deram à noite festiva um tom histórico que liga tradição e modernidade, a seiva da Academia Brasileira de Letras (ABL).
Matéria na íntegra: https://oglobo.globo.com/blogs/merval-pereira/coluna/2025/07/a-seiva-da-abl.ghtml [1]
27/07/2025Links
[1] https://oglobo.globo.com/blogs/merval-pereira/coluna/2025/07/a-seiva-da-abl.ghtml