A Aula-Show: Quando Literatura, Música e Memória se Encontram
No coração da Academia Brasileira de Letras (ABL), um dos templos maiores da cultura nacional, vai acontecer um evento que é, ao mesmo tempo, homenagem, resgate e espetáculo.
No dia 21 de agosto de 2025, às 17h30, a série “Quinta é Cultura” apresenta a aula-show Estrela de Madureira – A trajetória da vedete por quem toda a cidade chorou.
Sob a coordenação do acadêmico Antônio Torres, o público poderá acompanhar – presencialmente e também online – uma experiência artística que costura literatura, música e memória popular. O evento acontecerá na sede da ABL, o histórico Petit Trianon, prédio que foi um presente da França ao Brasil em 1922, durante as comemorações do Centenário da Independência, e que é uma réplica do Petit Trianon do Parque de Versalhes, ligado à rainha Maria Antonieta. Desde então, esse palacete abriga as sessões e atividades da Academia e hoje serve de palco para mais um encontro entre memória e cultura.
O que vai acontecer
Diferente de uma simples palestra, a aula-show propõe um formato híbrido, em que narrativa, música e memória visual se combinam:
Narrativa literária: o escritor e jornalista Marcelo Moutinho, vencedor do Prêmio Jabuti 2022 com A lua na caixa d’água e autor de 12 livros, será o responsável por conduzir o fio da história. Mestre em Bens Culturais e Projetos Sociais pela FGV, ele também recebeu o Prêmio Clarice Lispector 2017 com Ferrugem e é autor de obras como Rua de dentro e A palavra ausente.
Em 2024, publicou pela Editora Record a biografia Estrela de Madureira – A trajetória da vedete Zaquia Jorge, por quem toda a cidade chorou, que servirá de base para a aula-show. Sua narrativa trará à tona episódios marcantes da vida de Zaquia Jorge, desde a ascensão meteórica no teatro de revista até sua ousadia como empresária que levou o glamour da cena cultural para o subúrbio do Rio de Janeiro.
Interpretação musical: ao lado dele estarão o cantor Pedro Paulo Malta e o violonista Luís Filipe de Lima, que darão corpo sonoro ao espetáculo.
Pedro Paulo, cantor, pesquisador musical e jornalista, participou de montagens como O samba é minha nobreza, Sassaricando e É com esse que eu vou, além dos discos correspondentes e de trabalhos como Dois bicudos e Cachaça dá samba. Atualmente, dirige a série de entrevistas Depoimentos Cariocas (YouTube) no Arquivo Geral da Cidade do Rio e colabora em projetos do Instituto Moreira Salles, como a Rádio Batuta e o site Discografia Brasileira.
Luís Filipe de Lima, por sua vez, é violonista, arranjador, compositor e produtor premiado. Doutor e mestre em Comunicação e Cultura pela UFRJ, idealizou 17 séries de shows para o CCBB, dedicadas a grandes nomes como Noel Rosa, Carmen Miranda e Clara Nunes. Em 2017, recebeu o Prêmio da Música Brasileira como produtor do álbum Samba original, de Pedro Miranda. Como violonista de sete cordas, gravou com artistas como Dona Ivone Lara, Gal Costa, Martinho da Vila, Elton Medeiros e Bezerra da Silva.
Imagens e memórias: serão exibidas cenas raras de filmes, fotos de peças teatrais e recortes de jornais da época, proporcionando um mergulho na história e no legado da vedete que marcou o teatro e o cinema brasileiro.
Essa combinação de relatos, imagens e música cria uma experiência única, que resgata a memória cultural da Zona Norte do Rio de Janeiro.
Como participar
Entrada gratuita, com inscrição prévia no seguinte sítio:
Transmissão ao vivo pelo canal da ABL no YouTube:
https://www.youtube.com/live/NBQPRPwDoS4?si=vhME5YlxgOdhGXFa [2]
Assim, seja presencialmente no Petit Trianon ou pela tela da TV, do computador ou do celular, todos poderão acompanhar esse reencontro da cultura brasileira com uma de suas personagens mais singulares.
Zaquia Jorge: A Vida e a Obra da “Estrela de Madureira”
Origens e primeiros passos
Zaquia Jorge nasceu em 6 de janeiro de 1924, em Silva Jardim, interior do Rio de Janeiro. Desde cedo, mostrou-se uma mulher à frente de seu tempo. Em uma época em que o espaço para as mulheres era limitado, sobretudo no campo artístico, Zaquia ousou escolher os palcos como lugar de existência, brilho e afirmação.
Nos anos 1940, ainda jovem, ingressou no teatro de revista, gênero que mesclava humor, crítica social, música e sensualidade. O teatro vivia seu auge, principalmente na Praça Tiradentes, no Centro do Rio, e foi ali que ela atuou ao lado de nomes consagrados como Dercy Gonçalves e Oscarito, participando da célebre companhia de Walter Pinto.
Do palco às telas
Zaquia não se restringiu ao teatro. Também levou seu talento para o cinema brasileiro, em plena era das chanchadas. Entre seus filmes, destacam-se Sob a Luz do Meu Bairro, Fantasma por Acaso e Caídos do Céu (todos de 1946), Pinguinho de Gente (1949), Aguenta Firme, Isidoro (1951) e, já em 1957, A Baronesa Transviada, onde contracenou com Dercy Gonçalves. Este foi seu último trabalho no cinema, lançado pouco antes de sua morte.
A ousadia de ser empresária
O grande feito da vida de Zaquia Jorge, porém, não foi apenas como atriz e vedete. Ela ousou empreender em um campo quase impossível para mulheres de sua época: tornou-se proprietária de teatros. Primeiro, arrendou uma sala em Ipanema, onde morava. Mas foi em Madureira, bairro da Zona Norte, que tomou sua decisão mais audaciosa: inaugurou o Teatro de Revista Madureira, em abril de 1952, com a peça Trem de Luxo.
Esse espaço foi o primeiro e único teatro de rebolado do subúrbio carioca. Madureira era efervescente culturalmente, com forte comércio, vida popular intensa e duas grandes escolas de samba (Portela e Império Serrano). Ainda assim, a ideia de levar o glamour das vedetes para o subúrbio foi recebida com resistência. Muitos moradores, de perfil conservador, olhavam com desconfiança para aquelas mulheres maquiadas, de tamancos e calças compridas.
Zaquia, porém, soube conquistar o bairro: almoçava nos restaurantes locais, fechava convênios com comerciantes, frequentava as quadras de samba. Criou uma rede de apoio e transformou seu teatro em uma febre cultural. Em pouco tempo, o espaço se consolidou como referência da vida artística do subúrbio, mostrando que a Zona Norte também podia ser palco de espetáculos grandiosos.
O trágico fim
A trajetória brilhante de Zaquia Jorge foi interrompida de forma precoce e trágica. No dia 22 de abril de 1957, aos 33 anos, ela se afogou na praia da Barra da Tijuca. Estava acompanhada de amigas quando foi arrastada pelo mar. A tentativa de salvamento feita por Celeste Aída, também vedete, comoveu os presentes, mas não conseguiu impedir a tragédia.
Sua morte causou comoção nacional. Os principais jornais deram destaque de capa. Mais de 4 mil pessoas compareceram ao velório, realizado no próprio Teatro de Revista Madureira, que ficou lotado. O então presidente da República, Juscelino Kubitschek, enviou um representante oficial para o funeral.
O destino do Teatro de Madureira
A morte de Zaquia Jorge representou também o fim de seu sonho. Sem sua presença, o Teatro de Revista Madureira não resistiu. O espaço, que já havia sido um marco cultural, foi fechado e hoje abriga uma loja de eletrodomésticos.
O nome de Zaquia, porém, não se apagou. Sua memória foi mantida viva pelas homenagens posteriores: em 1958, a canção Madureira Chorou, de Carvalhinho e Júlio Monteiro, imortalizou a dor de sua partida. Em 1975, o Império Serrano a homenageou com o enredo Zaquia Jorge, a Vedete do Subúrbio, Estrela de Madureira. E uma composição que havia perdido a disputa interna na escola de samba – Estrela de Madureira, de Acyr Pimentel e Cardoso – acabou sendo gravada por Roberto Ribeiro, tornando-se um clássico do samba.
Uma mulher à frente do seu tempo
Zaquia Jorge desafiou convenções. Foi atriz, vedete, empresária e pioneira. Em uma época marcada pelo machismo, ousou se separar, retomou seu nome de solteira, abriu mão da guarda do filho para seguir sua carreira e escolheu trilhar caminhos que as mulheres de sua geração raramente podiam percorrer.
Mesmo tendo partido cedo, deixou um legado que atravessa gerações: uma mulher que iluminou palcos, enfrentou resistências e mostrou que o subúrbio também podia brilhar com a força da arte.
As três canções que imortalizaram Zaquia Jorge
A memória de Zaquia Jorge, embora muitas vezes esquecida pela história oficial, sobreviveu através da música.
Três sambas, em momentos distintos, ajudaram a manter viva a imagem da “Estrela de Madureira”: Madureira Chorou (1958), Zaquia Jorge, Vedete do Subúrbio, Estrela de Madureira (1975) e Estrela de Madureira (1975, eternizada na voz de Roberto Ribeiro).
Curiosamente, nenhuma dessas canções cita diretamente o nome de Zaquia Jorge. Ela aparece apenas como “estrela”, “vedete” ou “estrela de Madureira”, mas sua figura permanece imortalizada na memória popular através delas.
Madureira Chorou (1958)
Composta por Carvalhinho e Júlio Monteiro (marido de Zaquia), a canção foi gravada por Joel de Almeida em 1958, um ano após sua morte. O samba expressava a comoção popular diante da tragédia, tornando-se um grande sucesso no Carnaval daquele ano.
Zaquia Jorge, Vedete do Subúrbio, Estrela de Madureira (1975 – Império Serrano)
Dezoito anos após sua morte, o Império Serrano levou para a avenida o enredo em sua homenagem, conquistando o 3º lugar no Grupo 1. O samba-enredo exaltava sua vida e devolvia Zaquia ao imaginário popular.
Estrela de Madureira (1975 – Roberto Ribeiro)
No mesmo ano, Acyr Pimentel e Cardoso apresentaram essa composição na disputa interna do Império Serrano, mas foram derrotados. A canção, porém, ganhou vida própria quando Roberto Ribeiro a gravou, transformando-a em um clássico do samba.
O legado pelas canções
Esses três sambas mostram como Zaquia Jorge transcendeu sua época. Sua trajetória curta, mas intensa, foi eternizada na voz de intérpretes populares e no desfile de uma das mais tradicionais escolas de samba do Rio de Janeiro. Entre lágrimas e aplausos, ela continua sendo lembrada como a vedete que fez o subúrbio brilhar — e também chorar.
Zaquia Jorge vive na memória: um convite à celebração
Zaquia Jorge partiu cedo demais, mas deixou uma marca impossível de apagar. Mulher ousada, atriz talentosa, empresária visionária, sua vida foi breve, mas intensa como os refletores que iluminaram o palco de Madureira. Sua trajetória fez o subúrbio brilhar com um teatro nascido da resistência e da criatividade — e fez a cidade chorar com sua despedida precoce.
Ainda hoje, sua memória ressurge quando ouvimos as batidas de um samba ou revisitamos a história do teatro de revista. As canções que a imortalizaram — Madureira Chorou, o samba-enredo do Império Serrano e Estrela de Madureira — continuam ecoando como testemunhos de sua grandeza.
Um reencontro com a história
É isso que o evento “Estrela de Madureira – A trajetória da vedete por quem toda a cidade chorou” promete: não apenas contar, mas fazer reviver Zaquia Jorge.
No palco do histórico Petit Trianon da Academia Brasileira de Letras, literatura, música e memória popular se unem em uma experiência única.
Marcelo Moutinho trará a narrativa;
Pedro Paulo Malta e Luís Filipe de Lima emprestarão voz e cordas à emoção;
Imagens raras iluminarão novamente a época em que Zaquia dominava o teatro.
É a chance de voltar no tempo e sentir o impacto que ela teve — e ainda tem — na cultura brasileira.
Venha celebrar a Estrela de Madureira
Seja você amante da música, do teatro, da literatura ou simplesmente da boa história brasileira, este é um convite para não deixar Zaquia Jorge ser esquecida. Compareça, leve amigos, divulgue este evento.
Mais do que uma homenagem, esta aula-show é um gesto de memória coletiva, um tributo à ousadia feminina e à vedete que transformou Madureira em palco e que, até hoje, nos emociona.
Zaquia Jorge volta a brilhar. E você está convidado a aplaudir.
Matéria na íntegra: https://diariodorio.com/estrela-de-madureira-vida-e-legado-de-zaquia-jorge-voltam-a-brilhar-na-abl/ [3]
19/08/2025Links
[1] https://www.even3.com.br/estrela-de-madureira-a-trajetoria-da-vedete-por-quem-toda-a-cidade-chorou-608449
[2] https://www.youtube.com/live/NBQPRPwDoS4?si=vhME5YlxgOdhGXFa
[3] https://diariodorio.com/estrela-de-madureira-vida-e-legado-de-zaquia-jorge-voltam-a-brilhar-na-abl/